Dicionário da Evangelii Gaudium

de Paulo Suess – 07/10/2015

Nem todos os envolvidos nos processos pastorais de hoje, cada vez mais acelerados, têm tempo suficiente para ler as quase 50 mil palavras da “Exortação apostólica Evangelii gaudium sobre o anúncio do Evangelho no Mundo atual” (24-11-2013). A partir de 50 palavras-chave, o presente Dicionário procura facilitar a entrada nessa montanha gigante do documento com propostas surpreendentes, audazes e inovadoras, explícitas e nas entrelinhas, que o papa Francisco “do fim do mundo” enviou ao centro da Igreja. Dessa entrada sistematizada na montanha gigante e mágica, com o nome “A alegria do Evangelho”, o leitor vai trazer pedras preciosas e abrir dimensões novas para seu trabalho pastoral, que a leitura contínua do documento ainda não conseguiu revelar.

 

A Missão segundo Evangelii gaudium

A missão é “obra de Deus. Jesus é «o primeiro e o maior evangelizador». Em qualquer forma de evanqellzaçãó, o primado é sempre de Deus, que quis chamar-nos para cooperar com Ele e impelir- nos com a força do seu Espírito. [ … ] Em toda a vida da Igreja, deve- se sempre manifestar que a iniciativa pertence a Deus, «porque Ele nos amou primeiro» [Uo 4,19] e é «só Deus que faz crescer» [lCor 3,7]” (12). Às vezes, nos preocupam números e estatísticas de crescimento ou decrescimento da Igreja e temos dificuldade também de neles reconhecer a soberania de Deus. Deus está acima de tudo, mas nos convida a ler, através dos “sinais dos tempos” (14, 51, 108), a Sua vontade. “Esta convicção permite-nos manter a alegria no meio duma tarefa tão exigente e desafiadora (12)”, que é a missão. A opção missionária é capaz “de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação” (27). A opção missionária é uma opção pelos pobres que nos convidam a ir aos lugares pobres da presença de Deus. Nesses lugares, os pobres e os outros nos evangelizam constantemente (cf. 121); ao mesmo tempo, não renunciamos à missão evangelizadora como nossa resposta ao chamado de Deus.

“Os discípulos missionários acompanham discípulos missionários” (173). A missão “é algo que não posso arrancar do meu ser, se não me quero destruir. Eu sou uma missão nesta terra, e para isso estou neste mundo. É preciso considerarmo-nos como que marcados a fogo por esta missão de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, curar, libertar” (273). Nessa missão, Deus “pede-nos tudo, mas ao mesmo tempo dá-nos tudo” (12).

O que é que Deus pede de nós? A EG aponta para uma metodologia com quatro pilares de uma pastoral em chave missionária (33ss): (a) abandonar o cômodo critério pastoral: “fez-se sempre assim” (33), (b) “ouvir a todos”, (c) “sair de si ao encontro do outro” (cf. 179) e (d) concentrar o anúncio no essencial (35).

a) Abandonar o imobilismo e tradicionalismo exige que todos sejam “ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades. Uma identificação dos fins, sem uma condigna busca comunitária dos meios para alcançá-Ios está condenada a traduzir-se em mera fantasia” (33).

b) “Ouvir a todos” (31), às vezes, exige caminhar “à frente para indicar a estrada e sustentar a esperança do povo” (31), outras vezes é mais indicado manter-se “no meio de todos com a sua proximidade simples e misericordiosa, e, em certas circunstâncias, deverá caminhar atrás do povo, para ajudar aqueles que se atrasaram e, sobretudo, porque o próprio rebanho possui o olfato para encontrar novas estradas” (31). “Ouvir a todos” faz parte de um “processo participativo” que inclui “organismos de participação propostos pelo Código de Direito Canônico e de outras formas de diálogo pastoral” (ibid.).

c) Uma Igreja missionária é uma Igreja “em saída”. Ela aprendeu essa saída de figuras bíblicas, como Abraão e MOisés, de profetas e apóstolos. “Naquele «ide» de Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja [ … ] e todos somos convidados a aceitar esta chamada/sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (20, cf. 30). “A Igreja «em saída» é uma Igreja com as portas abertas” (46) e despojada. A missão é o antídoto contra a mundanidade espiritual que cultiva “o cuidado da aparência” e se coloca a si mesma no centro e, ao mesmo tempo, num círculo de giz da autorreferencialidade (cf. 8, 94, 95). “É uma maneira sutil de procurar «os próprios interesses, não os interesses de Jesus Cristo» (FI 2, 21)” (93), representado pelo outro. No outro “está o prolongamento permanente da Encarnação para cada um de nós” (179). A “resposta à doação absolutamente gratuita de Deus” (179) é a saída de si como “absoluta prioridade” da vida cristã. “«Na doação, a vida se fortalece; e se enfraquece no comodismo e no isolamento. De fato, os que mais desfrutam da vida são os que deixam a segurança da margem e se apaixonam pela missão de comunicar a vida aos demais». Quando a Igreja faz apelo ao compromisso evangelizador, não faz mais do que indicar aos cristãos o verdadeiro dinamismo da realização pessoal: «Aqui descobrimos outra profunda lei da realidade: “A vida se alcança e amadurece à medida que é entregue para dar vida aos outros”. Isto é, definitivamente, a missão»” (10).

d) “Quando uma pastoral em chave missionária assume um objetivo pastoral e um estilo missionário, “o anúncio concentra-se no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário” (35). “É evidente que, quando os autores do Novo Testamento querem reduzir a mensagem moral cristã a uma última síntese, ao mais essencial, apresentam-nos a exigência irrenunciável do amor ao próximo: «Quem ama o próximo cumpre plenamente a lei»” (161). “Por que complicar o que é tão simples? As elaborações conceituais hão de favorecer o contato com a realidade que pretendem explicar, e não afastar-nos dela” (194).

Para o apóstolo Paulo, “para quem o mandamento do amor não só resume a lei, mas constitui o centro e a razão de ser da mesma: «Toda a lei se cumpre plenamente nesta única palavra: Ama o teu próximo como a ti mesmo» [GI 5,14]. E, às suas comunidades, apresenta a vida cristã como um caminho de crescimento no amor: «O Senhor vos faça crescer e superabundar de caridade uns para com os outros e para com todos» [lTs 3,12]” (161). “Jesus ensinou-nos este caminho de reconhecimento do outro, com as suas palavras e com os seus gestos. Por que ofuscar o que é tão claro? Não nos preocupemos só em não cair em erros doutrinais, mas também em ser fiéis a este caminho luminoso de vida e sabedoria” (194).

Paulo Suess

SUESS, Paulo. Dicionário da Evangelii Gaudium. 50 palavras-chave para uma leitura pastoral. São Paulo: Paulus, 2015, 180 p.