A missa acabou

de Marcelo Neri – 11/03/2020

“Precisamos de uma Igreja que não espere simplesmente um retorno à normalidade, que, de qualquer forma, não será mais o mesmo de antes. Precisamos de uma Igreja na vanguarda, não apenas no que diz respeito à caridade que não pode ser interrompida, mas também no cuidado da alma e na celebração da vida cotidiana, incluindo a morte. Não para exorcizar, mas para permanecer humanos. Sem missa e, muitas vezes, sem padre”.

A opinião é do teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 09-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini. Eis o artigo trazido do site do IHU.

Até o dia 3 de abril não haverá celebrações da Eucaristia nas paróquias italianas. A Conferência Episcopal Italiana – CEI tomou ato do decreto do governo italiano. A Quaresma deste ano coincide para os italianos com uma longa abstenção do bom pão que sustenta no caminho dos dias que nos são dados. Uma prática ascética sem precedentes para nossas gerações; mas também para uma Igreja que centrou toda a sua liturgia na Eucaristia.

A celebração da fé volta a ser doméstica, cotidiana, secular. Também poderia ser bom. A inteligência pastoral de nossa Igreja italiana deveria aproveitar a oportunidade desse estado de exceção para aprender com ele a amplitude de sua tradição litúrgica. Mas, acima de tudo, não deveria depois deixar rapidamente tudo isso para trás, assim que a emergência terminar. É apenas o começo de uma outra maneira possível de dar forma à vida das nossas comunidades, que continuam a existir mesmo na ausência de momentos de agregação paroquial.

Na simplicidade das casas, nascem maneiras de celebrar, rezar, lembrar, buscar a sabedoria das Escrituras para navegar nesses dias incertos, de medo e desconfiança. O mal que assola também se combate através das fábulas, desde sempre. Por que não redescobrir nesse sentido, para nós e nossos filhos, o tesouro das narrativas do Evangelho?

Mas elas também são um convite para colocar em circulação, em nossas sociedades, em nossos relacionamentos diários com os outros (aqueles poucos que sobraram), uma razão que é ao mesmo tempo absolutamente realista (doença é doença, morte é morte, medo é medo, no Evangelho), mas também cheia de confiança.

Temos uma nação inteira em “condição quaresmal”, a esse povo devemos algumas palavras que saibam ir além da retórica, que saibam acompanhá-lo sem querer enquadrá-lo, que estejam ali sem pedir nada em troca. Uma ocasião para o ministério e para os nossos bispos.

O decreto do governo também proíbe serviços funerários (laicos ou religiosos). Um ponto muito delicado para os próximos meses, que também terão um aumento na mortalidade. Aqui a sabedoria pastoral deve inventar algo rapidamente, porque a morte sem um “suporte” simbólico de despedida e luto compartilhado corre o risco de lançar uma longa sombra que irá muito além dos meses de contágio do Coronavírus que nos aguardam.

Precisamos de uma Igreja que não espere simplesmente um retorno à normalidade, que, de qualquer forma, não será mais o mesmo de antes. Precisamos de uma Igreja na vanguarda, não apenas no que diz respeito à caridade que não pode ser interrompida, mas também no cuidado da alma e a celebração da vida cotidiana, incluindo a morte. Não para exorcizar, mas para permanecer humanos. Sem missa e, muitas vezes, sem padre.

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/596985-a-missa-acabou