Os 400 anos de Propaganda Fide

de Estêvão Raschietti – 13/01/2022

Em 6 de janeiro de 1622, Solenidade da Epifania do Senhor, o Papa Gregório XV fundou a Sagrada Congregação de Propaganda Fide como o órgão para a propagação da fé, atribuindo-lhe um duplo propósito: promover a reunificação dos cristãos e difundir a fé entre os pagãos.

A missão da nova Congregação era, portanto, atender à atividade missionária da Igreja, no velho e no novo mundo, com finalidades eminentemente espirituais, abandonando a prática missionária seguida até então pelos patrocínios coloniais das potências europeias e superando as tendências particularistas da ação missionária das ordens religiosas.

À Congregação também foi reconhecido o poder de decisão necessário para garantir rapidez e eficácia no compromisso de evangelização.

Ao longo dos 400 anos, várias intervenções do Magistério definiram ulteriormente as atribuições e a organização do Dicastério Missionário, que hoje é denominado “Congregação para a Evangelização dos Povos”, mantendo inalterados, no entanto, seus objetivos fundamentais e adaptando-os à evolução da situação histórica, social e cultural.

Entre os principais objetivos do Dicastério Missionário estão: assegurar uma distribuição adequada dos missionários; cuidar da formação do clero secular e dos catequistas; confiar a evangelização dos assim-chamados “territórios de missão” a Institutos, Sociedades religiosas ou Igrejas particulares.

Segundo estatísticas recentes hoje existem 1.117 circunscrições eclesiásticas – “território de missão” – dependentes da Congregação para a Evangelização dos Povos: a maior parte delas na África (517) e na Ásia (483), seguidas pela América (71) e Oceania (46). Com a expressão “Circunscrições Eclesiásticas” entendem-se Arquidioceses, Dioceses, Abadias Territoriais, Vicariatos Apostólicos, Prefeituras Apostólicas, Missões sui juris, Prelazias Territoriais, Administrações Apostólicas, Ordinariatos Militares.

Essa definição de “território de missão” para se referir às “missões” já foi declarada insuficiente diante da realidade do mundo atual (DAp 375). Mas juridicamente ainda define as áreas de competência do Dicastério, prestes a ser reformuladas pela reforma da cúria romana prometida por Francisco.

Com efeito, Propaganda Fide ainda se rege num mapa desenhado pelo regime de cristandade, em que se distingue entre países cristãos e países não-cristãos. Por exemplo, no Brasil não haveria “territórios de missão” na Amazônia porque o Brasil é um país católico – e porque o Estado brasileiro não queria a ingerência do Vaticano dentro de suas fronteiras. Mas a Amazônia peruana, colombiana, venezuelana, já são territórios sob a jurisdição da Congregação para a Evangelização dos Povos.

Esse Dicastério, que ainda se chamava de Propaganda Fide, não colaborou muito com a renovação conciliar, enquanto queria manter o conceito jurídico-territorial de “missões” estrangeiras, ao passo que a Comissão Teológica apontava para uma concepção mais ampla e articulada de uma missão global da Igreja no mundo contemporâneo. Os padres conciliares pediam claramente um fundamento teológico da missão que pudesse servir para iluminar essa segunda perspectiva.

No entanto, para o departamento da cúria vaticana encarregado das missões, todas as questões já estavam resolvidas através das encíclicas missionárias dos últimos papas: restava apenas solucionar com urgência uma melhor distribuição dos missionários e dos recursos econômicos.

Seja como for, a fundação de Propaganda Fide teve seus grandes méritos em subtrair, ou em tentar de subtrair, a obra missionária dos padroados coloniais, para reconduzi-la sob os cuidados da Igreja de Roma. Segundo passo, deveria ter sido, à luz da renovação conciliar, devolver suas circunscrições às igrejas locais, operação que aconteceu somente em parte (também por falta de compromisso das próprias igrejas locais).

Contudo, a fundação de Propaganda Fide não foi uma manobra somente de caráter político-administrativo: com a criação desse organismo, a igreja queria uma missão mais encarnada nos contextos e nas culturas, segundo o verdadeiro espírito do Evangelho, além de organizar e coordenar suas forças e seus recursos de maneira planejada e racional, ao fim de atender as situações mais marginalizadas e esquecidas, e não por último, animar toda a Igreja sobre as urgências missionárias do mundo, para não cair, como diz Aparecida, “na armadilha de nos fechar em nós mesmos” (DAp 376).

Esses objetivos, evidentemente, continuam válidos até os dias de hoje. Por isso os 400 anos da Congregação para a Evangelização dos Povos merecem ser celebrados.

Leia o artigo de artigo de Josef Metzler sobre “A Congregação de Propaganda Fide e o desenvolvimento das missões católicas (séc. XVIII a XX)”. Anuario de Historia de la Iglesia, núm. 9, 2000, pp. 145-154, Universidad de Navarra, Pamplona, España.