Missão no mundo pluricultural

de CNBB – 10/12/2013

A Igreja no Brasil celebrou, de 12 a 15 de julho, o seu 3º Congresso Missionário Nacional (3CMN), na cidade de Palmas, jovem capital do Estado de Tocantins. Participaram 637 representantes dos 17 Regionais da CNBB, organismos e institutos missionários, grupos de animação missionária. Foram 25 bispos, 12 diáconos, 319 leigos(as), 152 presbíteros, 98 religiosas(os), e 31 seminaristas. As memórias, as conferências, os testemunhos, as conclusões e as perspectivas lançadas por esse Congresso, estão reunidas nesta publicação das Edições CNBB.

Os Congressos Missionários Nacionais são iniciativas bastante recentes para a Igreja no Brasil, sinal de certa irrupção do espírito missionário, pensados e realizados a partir de 2003 em vista dos Congressos Missionários Latino-americanos (COMLAs) que acontecem a cada quatro ou cinco anos em algum país do Continente. Os COMLAs, surgidos da tradição da Igreja mexicana que já chegou à 14ª edição de seus Congressos Missionários Nacionais, tornaram-se também Congressos Americanos Missionários (CAM), em 1999, pela vontade do então Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, o cardeal Jozef Tomko.

Foi desta maneira que a sigla CAM foi anexa à sigla COMLA. O próximo CAM – COMLA (a quarta edição do CAM equivalente à nona edição do COMLA) será realizada em Maracaíbo, na Venezuela no final de novembro de 2013, e terá como tema: “Discípulos missionários de Jesus Cristo, desde América, num mundo secularizado e pluricultural”. Esse tema inspirou naturalmente o 3CMN, que por sua vez escolheu como assunto principal: “Discipulado missionário do Brasil para um mundo secularizado e pluricultural à luz do Vaticano II”. Para um evento que deveria ter como foco a missão ad gentes, portanto aos povos não-cristãos, esse tema não deixa de ser intrigante, porque aponta para a missão global da Igreja entre ad intra e ad extra do seu contexto sócio-cultural, sem resolver bem a relação entre as duas perspectivas. Que a Igreja descubra de encontrar-se numa missão ad gentes também nos contextos de antiga e nova evangelização, isso é muito positivo, porque indica a superação de uma visão de cristandade onde domina o aspecto puramente “pastoral”. Essa missão deve ser considerada, de agora em diante, um estado permanente, natural, normal para qualquer igreja local, e não uma situação excepcional, transitória, passageira, em vista da restauração de uma conjuntura anterior: a Igreja hoje é chamada a estar sempre em missão ad gentes (a todos os povos), tanto a serviço da humanidade mais próxima, como também no envio aos outros povos. Essas duas perspectivas precisam ser afirmadas conjuntamente para uma alimentar a outra, e não para uma encobrir a outra (cf. RMi 34).

De conseqüência, o 3CMN procurou concentrar sua reflexão em torno de três linhas temáticas: a secularização, os 50 anos da abertura do Vaticano II e a missão ad gentes. Com efeito, o Concílio Vaticano II abriu várias portas, caminhos e direções para a missão, tanto como busca de uma essência como também serviço e testemunho ao mundo, numa tensão entre Gaudium et Spes, a missão da Igreja no mundo contemporâneo, e o Decreto Ad Gentes, a atividade missionária da Igreja junto aos povos não-cristãos, exatamente como fossem duas direções complementares.

Quatro foram os mutirões de reflexão divididos por sujeitos eclesiais: 1) infância, adolescência e juventude missionária; 2) leigos e leigas; 3) religiosos e religiosas; 4) ministérios ordenados. Essa é outra grande novidade da visão conciliar: todos discípulos e discípulas na Igreja são missionários e missionárias. Missão não é mais tarefa delegada a alguns consagrados/as. O envio a anunciar a Boa Nova do Reino a todas as nações é dirigido a todo batizado e constitui a finalidade do chamado de Senhor. Para cada um e a cada uma, depois, terá uma maneira peculiar de realizar esse mandato em comunhão com os demais.

O programa do 3CMN revisitou um percurso inspirado no fascinante encontro entre Felipe e o eunuco Etíope (At 8,26-39), em quatro etapas: o caminho, o encontro, a partilha e o compromisso. O primeiro dia, o “Dia do Caminho”, via as pessoas chegar de caravana de todos os cantos do Brasil; à noite, a sessão de abertura presidida por Dom Pedro Brito Guimarães, arcebispo de Palmas. No dia seguinte, o “Dia do Encontro”, foram realizadas as duas conferências principais sobre a secularização e os 50 anos do Vaticano II, respectivamente pelo teólogo e catequeta Ir. Israel José Nery, fsc, e pelo missiólogo Pe. Paulo Suess, duas personalidades de referência na América Latina; na parte da tarde, os mutirões, cuja coordenação foi confiada às equipes das POM, CRB e CNBB. No terceiro dia, o “Dia da Partilha”, aconteceu a continuação dos mutirões e, à tarde, os testemunhos de missão ad gentes na África, na Ásia e na América Latina. Enfim, no domingo, o “Dia do compromisso”, a exposição das conclusões dos quatro mutirões, as amarrações e a celebração solene de encerramento do Congresso.

O 3CMN foi um momento de graça para a Igreja no Brasil, no qual representantes de organismos, institutos, dioceses, seminários e grupos missionários puderam partilhar seus caminhos de missão, e ao mesmo tempo colocar-se como discípulos a aprender novamente com o caminho do Mestre. O lema “Como o Pai me enviou, assim eu vos envio” (Jo 20,21) assumiu o significado de remeter a nossa missão à fonte do Pai e ao caminho do Filho: o “como” aponta para a essência de Deus Amor e também para a encarnação do Filho, que permanece para nós continuo motivo de discernimento e conversão sobre como devemos conduzir nossa missão: “continuando esta missão e explicitando através da história a missão do próprio Cristo, que foi enviado a evangelizar os pobres, a Igreja, movida pelo Espírito Santo, deve seguir o mesmo caminho de Cristo: o caminho da pobreza, da obediência, do serviço e da imolação própria até à morte, morte de que Ele saiu vencedor pela sua ressurreição” (AG 5).

Com efeito, “o Filho de Deus, pelo caminho duma verdadeira encarnação, veio para fazer os homens participantes da sua natureza divina e, sendo rico, fez-se por nós pobre para que nos tornássemos ricos da sua pobreza. O Filho do Homem não veio para que o servissem, mas para ser ele a servir e para dar até a sua vida em redenção por muitos, isto é, por todos” (AG 3). Desta forma a Igreja é convocada a redescobrir sua mais profunda vocação de povo “chamado para fora” (a palavra “Igreja” vem de um verbo grego que significa “chamar para fora”) além de todas as fronteiras, como serva da humanidade a partir dos cinco pães e dos dois peixes de sua pobreza:

“Finalmente, chegou para a América Latina a hora de intensificar os serviços recíprocos entre as Igrejas particulares e estas se projetarem para além de suas próprias fronteiras, ad gentes. É certo que nós próprios precisamos de missionários, mas devemos dar de nossa pobreza. Por outro lado nossas Igrejas podem oferecer algo de original e importante; o seu sentido de salvação e libertação, a riqueza de sua religiosidade popular, a experiência das Comunidades Eclesiais de Base, a floração de seus ministérios, sua esperança e a alegria de sua fé. Já se realizaram esforços missionários que se podem aprofundar e se devem ampliar” (Puebla 368).

Pe. Estevão Raschietti, sx
Secretário Executivo do Centro Cultural Missionário

CNBB. Missão no mundo pluricultural. 3º Congresso Missionário Nacional: memórias e perspectivas. Brasília: Edições CNBB, 2013, 200 p.